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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

O professor José Olivério Ponte sugere ...


A Alma  de Manuel Alegre

A obra despertou-me interesse porque desconhecia a prosa de Manuel Alegre, pois sempre relacionei o seu nome com a poesia e possuo entre os meus livros publicações de poemas seus, que já li.
A Alma foi para mim um agradável surpresa porque, para além de ser uma obra de fácil leitura, transporta-nos para um tempo do Portugal Republicano (com binómio monarquia/república ainda ativo), fim da 2ª Grande Guerra e afirmação do Estado Novo.
O autor integra a vivência política em período de ditadura e num ambiente social em que há decadência de famílias outrora abastadas, descriminação de género e social e económica no acesso à formação e à cultura.
Há uma preocupação de enfatizar a atmosfera política num regime de partido único que se sustenta na perseguição, prisão e tortura da oposição, enquanto esta se afirma respondendo à violência desproporcionada praticada pelas forças da ordem e pela polícia política. O peso da contestação pode avaliar-se pela relevância dada à descrição da violência que ocorre numa partida de futebol, ao mesmo tempo que há desacatos num comício da oposição em Alma e as implicações na interpretação da contestação do que se sucedeu em simultâneo.
Esta dimensão política não ofusca a perspetiva da ambiência familiar e infância/adolescência vivenciadas na época. A socialização por traquinice aos adultos e o despertar para as primeiras experiências sexuais na adolescência são, com naturalidade, relatando uma realidade em que o próprio calão utilizado nos aproxima da narrativa, uma forma de identificação por semelhança com quem há época se encontrava no nível etário correspondente a cada personagem.
Considero, ainda, interessantes as narrativas das sessões espíritas, bem como a forma como o autor aborda a perceção da morte na idade infantil.
Resumindo, gostei do livro, recomendo a sua leitura, alertando para a necessidade de o ler, situando o que nele decorre no momento histórico em que se situa a narrativa.


Boas leituras!

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