A Alma de Manuel Alegre
A obra despertou-me interesse porque desconhecia a prosa de
Manuel Alegre, pois sempre relacionei o seu nome com a poesia e possuo entre os
meus livros publicações de poemas seus, que já li.
A Alma foi para mim um agradável surpresa
porque, para além de ser uma obra de fácil leitura, transporta-nos para um
tempo do Portugal Republicano (com binómio monarquia/república ainda ativo),
fim da 2ª Grande Guerra e afirmação do Estado Novo.
O autor integra a vivência política em período de ditadura e num
ambiente social em que há decadência de famílias outrora abastadas,
descriminação de género e social e económica no acesso à formação e à cultura.
Há uma preocupação de enfatizar a atmosfera política num regime
de partido único que se sustenta na perseguição, prisão e tortura da oposição,
enquanto esta se afirma respondendo à violência desproporcionada praticada
pelas forças da ordem e pela polícia política. O peso da contestação pode
avaliar-se pela relevância dada à descrição da violência que ocorre numa
partida de futebol, ao mesmo tempo que há desacatos num comício da oposição em
Alma e as implicações na interpretação da contestação do que se sucedeu em
simultâneo.
Esta dimensão política não ofusca a perspetiva da ambiência
familiar e infância/adolescência vivenciadas na época. A socialização por
traquinice aos adultos e o despertar para as primeiras experiências sexuais na
adolescência são, com naturalidade, relatando uma realidade em que o próprio
calão utilizado nos aproxima da narrativa, uma forma de identificação por
semelhança com quem há época se encontrava no nível etário correspondente a
cada personagem.
Considero, ainda, interessantes as narrativas das sessões
espíritas, bem como a forma como o autor aborda a perceção da morte na idade
infantil.
Resumindo, gostei do livro, recomendo a sua leitura,
alertando para a necessidade de o ler, situando o que nele decorre no momento
histórico em que se situa a narrativa.
Boas leituras!
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